Quero ser uma pobre mulher ...
Quero ser uma pobre mulher que viva nos subúrbios de Paris. Num apartamento rasca com uma curta vista para a torre Eiffel. Com uma fonte que não pare de pingar e um esquentador que não aqueça a água. Com uma cadeira encontrada na parte de trás do prédio e um computador com Internet á manivela. Quero partilha-lo com um poeta suicida e um escritor deprimido e com mais mil criaturas que não conheça. Quero ter um emprego decadente, onde trabalhe muito e pouco receba. Apenas quero poder entrar e apreciar as grandes obras dos meus “criadores”, nem que para isso tenha que o chão limpar. Posso não ser famosa e rica, mas quero pelo menos continuar a pintar. Quero continuar a relembrar coisas importantes somente para mim. Quero ver o meu material todo espalhado e os meus trabalhos maltratados. Quero ter uma mesa de papel e uma cama de lençóis. Uma televisão de uma só cor e com pouco som. Um telefone da guerra contra “Hi, Hitler” e um frigorifico que só trabalhe com a força humana. Um rádio que não apanhe as emissoras e que esteja repleto de teias de arranhitas. Roupa de terceira mão, mas de marca encontrada na lixeira dos pobres, ou seja, a lavandaria. Uma casa de banho com um bidé preto, um chuveiro minúsculo e um espelho partido. Papel de parede feito de jornal e tijoleira feita de revistas. Gavetas de caixotões e vidros de garrafas unidas por linha. Quero viver com um gato preto, azarento. Ter um retrete sem descarga e que trabalhe com o balde. Ter livros empenhados para servir de assentos e para equilibrar a mesa de três pernas lá deixada pelas invasões romanas. Quero comer a mesma comida durante um mês inteiro e usar a água da chuva para me lavar. Ter mil sapatos, nenhum par e apenas dois em condições. Ter um saco da “Dolce and Gabanna” que me sirva de mala. Não ter dinheiro para as contas mas mesmo assim tê-lo para ir às exposições que para entrar é preciso o pote que está no fundo do arco-íris. Não saber em que dia estamos, nem o mês muito menos o ano, mas saber quem pintou “O Grande Masturbador” e quem esculpiu “O Êxtase de Santa Teresa”. Ter uma porta de vimos e uma maçaneta de ouro falso. Sair para a noite sem um cêntimo no bolso, mas vir toda ressacada para casa. Não amar ninguém. Não amar nada. Apenas o ar e o chão que ando a limpar. Ter um fogão que não funcione, mas que mesmo assim sirva para lareira. Não ter luz e ter velas saqueadas à igreja para iluminar o nosso caminho. Agora se é o certo não te consigo dizer. Como pano de fundo ter o som de uma caixinha de musica rachada com falta de notas. Ter uma saca de remédios, mas nunca estar doente. Ter um tapete de Marrocos vindo da China e um iglo vindo do Brasil. Quero ser acordada pela vizinha de cima mais os seus amiguinhos e ser perseguida pelo buldog do vizinho de baixo. Ter uma varanda improvisada feita de quadros falsificados dos meus “pais” e para os varões bonecos decorativos coladinhos. Para fixar os meus trabalhitos usar o ovo que não comi e para pinta-los os dedos e os pêlos do gato. Um sofá que tenha molas espetadas e duras que enfiem nas costas e nas pernas. As almofadas são pequenos recortes das revistas de moda. Não ter canetas nem papel por isso riscar no que tiver mais perto. Nas roupas, nas paredes, no chão, na janela… tudo! Usar uns ocúlinhos deixados na escadaria de Notre-Dame. Uma lenta que encontrei na entrada do Louvre e outra escura que estava entre as colunas do Arco do Triunfo. Flores murchas oferecidas pelo rapaz zombie da frente e um capuccino quentinho pelo dono do café da esquina. Ter um violão sem cordas, um diário sem folhas, canetas sem tinta, tubos sem cor, quadros sem luz, sapatos sem sola, roupa sem costuras.Posso não ter tudo isso, mas quero pelo menos ter palavras com sentido, quadros com sentimento e uma vida com amor. Um pouco de tinta ou grafite, um pedaço de papel ou parede, um tecto que me proteja e um fogo que me aqueça. E obviamente viver com o poeta suicida, o escritor deprimido e ser uma pintora sem futuro.
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feito pela renata esqueci de referir
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